24.7.14

Em nome dos Imortais



Eu não queria estar escrevendo isso. Não queria mesmo. Julho de 2014 tem sido um mês difícil e cruel.

Eu ia escrever sobre João Ubaldo e antes que começasse fui surpreendida pela morte de Rubem Alves.
Fiquei tão triste que não quis mais escrever nada. E então Ariano Suassuna apronta uma dessas...
Desde que soube a noticia ate agora, estou meio sem acreditar.
Não vou falar da importância desses três caras, nem de suas obras e nem o quanto a literatura perde com a partida deles. Eu me reservo apenas ao direito de ficar triste.
Cada leitor tem em seu autor preferido um amigo, mesmo que nunca tenha sequer visto ou esbarrado com ele em toda a vida.
"Eu gosto muito de rir e gosto de fazer rir. E nisso sinto que o povo brasileiro é meu companheiro." 
Ariano Suassuna
Eu tinha esperanças de um dia, em uma Bienal qualquer, esbarrar com Ariano e pedir a ele um rabisco em um dos meus livros. Dele, mas meus. Queria ter a oportunidade de dizer o quanto sua obra me fez feliz, o quanto me diverti com seus personagens, o quanto gostei um pouco mais dele a cada declaração ou entrevista que via.

Quanto ao João, não fomos grandes amigos  nessa vida. Confesso que mal o li. Mas não deixo de sentir sua perda por conta disso. Quando um escritor parte, ficamos órfãos do que ele ainda teria a escrever. Quantas ideias, quantos personagens e romances partem junto a ele? Jamais saberemos. Isso multiplica a sensação de perda. Dói fundo na alma de um leitor.
Mas e Rubem? Rubem, sempre tão querido. Sua ausência é uma lástima irreparável, Rubem! Sempre tão carinhoso em seu falar, tão terno e tão humano... O mundo precisa de mais mineirinhos como ele. Como todo bom mineiro, era quietinho, na sua, sem afetações e alardes.
Dizia que chegou onde chegou porque tudo que planejou deu errado, vejam só!
Foi com Rubem que aprendi uma das lições que me fizeram crescer muito como pessoa: "Ostra feliz não faz pérola". Acho linda a comparação que Rubem faz com a formação da pérola, para nos explicar que é a partir do sofrimento que crescemos. A pérola é um parasita externo ou um grão de areia que invade e machuca a ostra. Para se defender, a ostra o envolve com uma substância chamada madrepérola, que cristaliza-se e isola o invasor dentro de uma bolota rígida. A ostra, quando produz uma pérola, na verdade está lidando com um incômodo. Desejei a sabedoria de transformar os meus incômodos em pérolas também.
"A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar."
Rubem Alves
Agora, você Ariano... não consigo me conformar com sua partida.
Ainda não consegui ler A Pedra do Reino por completo, mas li seu Auto da Compadecida umas três vezes. 
E nem sei dizer quantas vezes revi a adaptação para o cinema.
Você disse que não trocaria seu "oxente" pelo "ok" de ninguém e nós também não trocaremos, mestre. Se eu posso deixar aqui alguma homenagem, é em favor do seu legado.

Tem tanta gente que em nada nos acrescenta, que pelo contrário, nos subtrai... Tanta gente contribuindo para causas pequenas, tanta bobagem, tanta desgraça...
Deus, às vezes, nos presenteia com pessoas que deixam o mundo melhor. Pessoas que trazem, sabe-se-lá de onde, sua sabedoria e alegria para dividir com o resto de nós.
Gente como Rubem que trazia sempre uma palavra de conforto ou como João que com sua baianice nos deliciava com seu humor. Gente como Ariano, que achava a tarefa de viver dura e fascinante.
Gente que cisma em ser uma luz no meio de tantas trevas, gente que teima que a vida pode ser boa, pode ser melhor e pode ter poesia. Gente que fala o que sente para que a gente entenda o que sente também. Não importa se sentimos igual ou diferente.
Tem gente, que nunca vimos na vida (e nunca veremos), mas que sentimos que nos abraçam a alma.
Tem gente que nasce para ser imortal, embora com essa mania de partir antes do que deviam. 
Uma vez, aprendi que só morre quem não deixa saudades. Muito mais do que saudades, João, Rubem e Ariano deixam suas palavras, sua arte e genialidade para nos confortar da saudade.
Escritores não morrem nunca!
Eis aqui nosso consolo e minha singela homenagem.

"Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre."
(Auto da Compadecida - Ariano Suassuna)

Para João, Rubem e Ariano
Vão em paz, mestres imortais!

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Carolina! Na verdade se chama Ana Carolina e não gosta de ser chamada de Ana. Não revela a idade, mas todo mundo diz que aparenta bem menos. Fotógrafa e estudante de Jornalismo. Mudou de área depois de anos insatisfeita com a profissão. Carioca, apaixonante e implicante. Carinha de 8, espírito de 80 anos. Chata, mal humorada e anti-social. Gosta de rimas simples, de frases bobas e é viciada em café. Na vida passada foi um gato tamanha preguiça. Tem mania de ter manias, coleciona coisas inúteis e acha ridículo isso de falar de si mesma em 3º pessoa.

 
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