8.4.12

Sobre os sinais


Lá no fundo, eu sinto que deveria ignorar. Sabe aquele botão que te mandam ligar de vez em quando? Aquele mesmo que explode nitrogênio/nitroglicerina e joga tudo pros ares. Na verdade, é só a voz do meu ego dizendo: “isso não é nada”. Sabe qual é o problema? É que eu acordei assim, meio Pagu. Seria capaz de subir em todos os palanques e apontar o dedo na cara de toda gente e dizer: olhem pra mim, eu me garanto. Eu dou conta de lavar sozinha toda roupa suja que jogam no meu tanque. Eu sei que tudo pra mim é pouco, muito pouco e esse pouco eu não quero mais¹. Talvez o problema seja esse. Eu acho tudo muito pequeno, pequeno demais para perder tempo me preocupando. Sabe os alarmes que colocamos bem ali, no caminho do coração? Aqueles que sempre tocam quando alguém se aproxima, perigosamente, demais? Aqueles que fingimos não ouvir quando estamos prestando atenção em outros olhos? Eu sempre ouço! E não, não me cobro explicações, não. Lá no fundo, eu sei que prefiro esquecer e não fazer tanto alarde. Afinal, o alarme tocou, eu ouvi, tudo certo! As defesas funcionam. É certo que se perguntarem ao coração, ele diria que gostaria de mais liberdade. Pediria mais tempo. Lamentaria por mais controle e argumentaria que sim, o corpo sente falta. E o coração é capaz de se aliar a qualquer um que lhe dê ouvidos. Seja corpo, mente, razão ou juízo. Uma vez, aliou-se à mente e me convenceu a todo instante que eu estava insatisfeita e confusa, apenas porque não o deixava agir livremente. De outra vez, aliou-se ao meu juízo e me fez perder completamente o controle dele. Porém o maior dos problemas é quando ele consegue aliar-se ao corpo. As pernas vão onde não quero, o sorriso bobo que não desejo surge, a saudade vira dores físicas e é um caos. Mas não é sempre, os alarmes funcionam e minha audição é boa o suficiente para escutá-los. As pessoas não fazem idéia do transtorno que é quando eles deixam de funcionar ou quando eu finjo não ouvir. Sim, eu sei, preferia não ter todo esse trabalho. Preferia ter a sorte de um amor tranqüilo. Daqueles que Cazuza cantava, sabe? Com sabor de fruta mordida - seja lá o que isso for. Acredito que deve ser bom. Lá no fundo, eu gostaria que a foto do porta-retrato não fosse preto e branca. Eu ignoro, faço cara de bonita e deixo passar. Deixo o verão pra mais tarde². As pessoas não fazem a mínima idéia e eu nem me esforço em explicar. Deixa assim. Caso contrário, vou notar que nem sempre faz sol. Às vezes chove. Mais do que eu poderia supor. Vou notar que os pais não se falam mais no café da manhã. Que a criança anda mais emburrada que o de costume. Que o motorista não pára o ônibus pros idosos. E que nem sempre os amigos estão felizes como eu suponho que pareçam estar. É assim que acontece. Quando você nota uma pequena goteira no telhado, logo aparece infiltração. Você não dorme pensando no telhado. Perde a disposição de enfrentar o dia seguinte. Perde produtividade, deixa de ser espontâneo, se arrasta pra responder um bom dia. Na hora de se preocupar com o que realmente precisa fazer, você está com sono demais. Cansado demais. Disperso demais. Quando você volta pra casa e consegue dormir, o telhado desaba na sua cabeça. O mundo inteiro desaba na sua cabeça. E você se muda para o terceiro andar de um prédio qualquer, porque tem medo de telhados e tem certeza que o apartamento do vizinho não vai cair em cima de você. Eu sei, eu exagero nas metáforas, mas faço isso pra que você entenda que não é fácil. Mas deixa estar. Não há o que fazer. Eu juro, juro mesmo, que não me arrependo de nada, nada, nada... E sim, eu dou valor ao meu esforço. Esse é o meu jeito de seguir adiante. É que, de fato, não é culpa de ninguém. A gente se acostuma. Eu me acostumo. E no fundo, sei que devia ignorar. Principalmente quando sei que é por tão pouco. Sei que é isso que acabo fazendo sempre. Irremediavelmente. Até que alguém consiga desligar, por fim, todos esses sinais.





Será que um dia vou conseguir escrever sem referências musicais? rs

¹- "Muito pra mim é tão pouco. E pouco eu não quero mais" - Maria Rita.
²- "Deixa o verão pra mais tarde" - Los Hermanos.
E claro, tem uma citação óbvia de Cazuza ali no meio, mas já está identificada. ;-)

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Carolina! Na verdade se chama Ana Carolina e não gosta de ser chamada de Ana. Não revela a idade, mas todo mundo diz que aparenta bem menos. Fotógrafa e estudante de Jornalismo. Mudou de área depois de anos insatisfeita com a profissão. Carioca, apaixonante e implicante. Carinha de 8, espírito de 80 anos. Chata, mal humorada e anti-social. Gosta de rimas simples, de frases bobas e é viciada em café. Na vida passada foi um gato tamanha preguiça. Tem mania de ter manias, coleciona coisas inúteis e acha ridículo isso de falar de si mesma em 3º pessoa.

 
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